sexta-feira, 27 de setembro de 2013

A Ilha-dos-óculos-perdidos

Num oceano longínquo (daqueles que nem com binóculos se avistam) existe uma ilha diferente das outras. Não é uma ilha com palmeiras e praias de areia branca e água transparente. Não, senhor. É uma ilha com óculos de todos os tamanhos, formas e cores. Com óculos de sol, óculos de ver ao longe e de ver ao perto, óculos para a vista cansada, óculos de natação, óculos de ski e outros que tais. Há óculos a perder de vista! Mas, ninguém habita nesta ilha. A verdade é que as pessoas nem sabem que ela existe. Quando trocam de óculos, deitam-nos fora e eles são enviados para esta ilha em nenhures. E os óculos passam a vida à espera que algum barco atraque por engano na ilha e os descubra para voltarem a sentir-se úteis. Todos eles já tiveram alguém que os usasse e que cuidasse deles, que os limpasse com um paninho e os guardasse numa caixinha. E nenhum deles se esquece daquilo que viu e daquilo que partilhou com quem os apoiava na parte de trás das orelhas. Mesmo quando eles não eram usados, as pessoas colocavam-nos no topo da cabeça e eles eram felizes só a olhar as nuvens e as estrelas. Mas, maior cego é aquele que não quer ver e os óculos na sua ingenuidade, nunca se perguntaram sobre o destino que teriam tido os óculos que lhes antecederam e que destino teriam eles próprios quando já não servissem.

Acontece que um dia, um navio passou muito perto da ilha e um tripulante desceu num bote para a ir conhecer. Quando chegou, o seu espanto foi tal que logo chamou os amigos para irem ver também. Era ver para crer! O grupo de homens entusiasmou-se com a descoberta. Ficaram com os olhos em bico e nenhum deles via onde punha os pés, só com a ânsia de pegar nos óculos que mais brilhavam, naqueles que mais lhes enchiam a vista. Ainda para mais, os óculos estavam mesmo ali a jeito. Era só pegar e levar. E podia levar-se todos os que coubessem numa mão cheia, sem dar parecer a ninguém. E depois, como a cavalo dado não se olha ao dente, não interessava de que tipo de óculos se tratava. Cada par de óculos que os homens pegavam parecia ainda mais bonito que o anterior e era mal-empregado continuarem ali ao abandono. Os homens levaram tantos quanto puderam, nas mãos, na cabeça, ao pescoço, presos à roupa, enfim. E voltaram para o navio, contando a novidade aos outros passageiros.

Ainda chegaram a contar em suas casas, aos amigos e à família sobre a ilha dos óculos perdidos mas ninguém os levou muito a sério. Eles começavam a contar a história dizendo “Se tu visses o que eu vi…” e os ouvintes acabavam dizendo “Só a olhos vistos, porque contado ninguém acredita!”. De que eu tivesse conhecimento, nunca mais ninguém voltou à ilha dos óculos perdidos. Conta-se que ainda hoje lá estão à espera de outros homens que os encontrem.

Mas, depois daquele dia, alguns óculos acabaram mesmo por se partir, ora numa haste, ora na outra, ora nas lentes, ora na armação ora no… coração. Sim. Os óculos também têm coração. Não sabias? Se olhares com atenção para os óculos de alguém encontrarás o seu coração. Às vezes consegues vê-lo sem esforço, logo quando a pessoa sorri e os óculos se elevam um bocadinho acompanhando as bochechas. Outras vezes, é mais difícil e tens de te concentrar e estar atento mas ele lá aparece, ora na íris ora num reflexo da lente. Todos os óculos daquela ilha têm ainda um coração à espera de ser descoberto. Por isso, os óculos precisam das pessoas para lhes dar vida. É através delas que os óculos se sentem estimados e, principalmente, amados.

Naquele dia, alguns tiveram sorte. Voltaram a ter alguém a quem acompanhar, com quem partilhar momentos e, principalmente a quem mostrar o mundo com outros olhos. Sim, às vezes as pessoas estão tão presas à sua própria realidade que não conseguem ver além do que lhes é permitido. São os tão comummente chamados cegos-visuais. Aqueles que só não veem porque não querem e não por não o conseguirem fazer. É curioso que, por vezes, é mesmo o que está mais longe da vista que está ao mesmo tempo mais perto do coração.

Assim, não foram só os óculos que naquele dia ganharam vida. Cada pessoa que usou um dos óculos da Ilha-dos-óculos-perdidos passou a ver a vida de outra forma. Depois de terem sido salvos, tinha chegado a altura de serem eles a salvar os Homens.

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