sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Julgar? Julga-te a ti

Não era mais do que uma tarde cinzenta e chuvosa de outono e, no entanto, eu tornei-a naquela tarde cinzenta e chuvosa de outono.

Quem se cruzava connosco no jardim não percebia o que se estava a passar. Lá continuavam resguardados debaixo das sombrinhas, mas os seus rostos viravam-se para trás depois de passarmos por eles. As pessoas achavam que se perdessem mais uns segundos das suas vidas a observarem-nos iriam perceber o que se tinha passado.

O mesmo acontecia no comboio. Olhavam para nós como se fôssemos pessoas com um comportamento muito estranho, pouco enquadrado naquela tarde cinzenta e chuvosa de outono. Alguns atreviam-se a olhar de forma direta para nós, fazendo-nos sentir perturbados e a mais. Mas, a maioria, procurava ver-nos refletidos no vidro das janelas para poder tirar conclusões à vontade e julgar-nos mais facilmente.

É tão fácil julgar o que não se conhece. Muitos pensaram com certeza que eu era uma louca acabada de sair do manicómio e que ele era meu irmão e ralhava comigo sem razão. Outros devem ter ficado a pensar que eu era uma pobre mendiga, a quem a sorte nunca tinha batido à porta e que ele era um voluntário a tentar levar-me para um sítio seguro. Muitas outras coisas lhes passaram, por certo, pela ideia.

O que eles não conseguiam perceber era a minha cara de felicidade. Quase parecia estar a gozar com ele, rindo-me dos disparates que ele ia dizendo. Estávamos os dois todos encharcados e eu, a cada vez que espirrava, sentia o meu sorriso crescer ainda mais. E ele continuava a falar comigo, a dizer que não podia ser assim.

O que aquelas pessoas também não sabiam, era que eu dantes era igual a elas e que me aborrecia com uma tarde cinzenta e chuvosa de outono, até ter chegado aquela tarde cinzenta e chuvosa de outono. Aquela em que descobri que este poderia ser o último dia da minha vida e, por isso, não valeria a pena esperar pela primavera para me sentir viva.
 
 

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